Mãe Interrompida — Parte 2

Lucas Perales
3 min readNov 19, 2018

Já haviam se passado quase 10 anos desde que a moça tinha partido de sua terra e deixado o filho para trás. Àquela altura, as coisas já fluíam melhor e a moça já nem se lembrava tanto assim da dor que sentiu ao deixar uma criança sua com estranhos. Definitivamente ela estava superando a dor da separação.

Nessa época a moça estava se apaixonando mais uma vez. O litoral paulista fazia um calor insuportável naquele período do ano e foi à beira da praia que ela encontrou seu novo amor. Encantada pelos olhares devastadores do rapaz, ela se entregou a fim de construir a vida com a qual tanto sonhava. O tempo passava e ela se realizava cada vez mais.

Quase 10 anos se passaram até que ela teve seu último filho — o quarto com aquele homem praiano e o quinto de seu ventre. O primeiro seria escondido de todos eternamente, conforme compromisso firmado com a mãe. Naquele momento a agora mulher já quase não sentia dor quando lembrava do triste passado, ela tinha quatro filhos que precisavam de sua atenção.

Daquele casamento dois meninos e duas meninas nasceram e cresceram. Mas seu marido, o grande amor, nunca foi tão fiel como prometeu no altar diante de Deus e dos homens. Ela estava se cansando. Se desgastava para manter os pilares de seu lar de pé. Mas não era fácil. Todas as noites ela chorava e pedia a Deus que apenas poupasse seus filhos de tal sofrimento. O tempo foi passando e a nova ferida apenas atenuava a dor que a antiga causava.

Todos os sonhos daquela mulher estavam prestes a ruírem mais uma vez. Ela não queria recomeçar mais uma vez, estava cansada demais. Já faziam quase 25 anos que ela vivia o tormento de não poder contar as verdades a ninguém. Seus filhos estavam crescendo e logo eles perceberiam a instabilidade conjugal do pai.

Ela decidiu largar tudo, logo após seus filhos já não precisarem depender tanto dela. Se separou, mas nunca conseguiu se afastar do homem paulista. Ele ainda cuidava dela e a separação apenas havia sido um acordo entre os dois. Ela precisava viver. Mas, com mais de 40 anos e uma cabeça já não tão boa assim, ela não estava mais disposta a passar por frustrações mais uma vez. Ela iria viver os próximos 25 anos tranquilamente antes do novo pior acontecer.

Era uma tarde comum e ela conversava com um de seus filhos (já casado e com dois filhos). Ele estava feliz e ela fazia seu papel de mãe. Nada de incomum parecia esperado. Ele tomou café com a mãe, ela contou seu dia e deu seus conselhos. Os netos estavam fora de casa e a nora trabalhava, como sempre.

Dizem que, de acordo com a ordem natural das coisas, pais são enterrados pelos filhos. Mas as “coisas naturais” não estavam dispostas a colaborar naquele dia. O filho foi para sua casa, que era nos fundos da mãe. Ele precisava de um banho, apenas. Quase uma hora se passou e ele não saía do banho. A senhora começou a chamá-lo pela janela, mas ele não respondia.

Sua neta passou pela porta e ela disse: “menina, seu pai deve estar ficando maluco! Quase uma hora debaixo desse chuveiro! Vai mandar ele sair!” A menina foi até o banheiro e chamou o pai. Ele já não respondia. Já fazia cerca de 20 minutos que ele sofrera um infarto. Não restou à garota nada além de desespero e à senhora lágrimas de muita dor. Mais um filho tinha sido tomado dela. E ela era obrigada a recomeçar mais uma vez.

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Lucas Perales

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