Bandersnatch: Livre-arbítrio e violência

Netflix mais uma vez faz o espectador questionar sobre conceitos sociais de uma maneira completamente bizarra à la Black Mirror

Lucas Perales
4 min readJan 5, 2019
Divulgação: Netflix

Eu sou um fã pessoal de Black Mirror e não tem um episódio sequer em que eu não fique 10 minutos perplexo com o que acabei de ver. Tenho meus episódios favoritos, começando por The Entire History of You, passando por Crocodile e terminando em White Christmas.

É óbvio que essa lista fica particularmente difícil de elaborar, levando em consideração que cada narrativa tem uma pessoalidade indescritível de deixar qualquer um se remexendo no sofá. Black Mirror sempre foi inquietante e foi essa habilidade dos diretores que fez a série ganhar tanto respeito.

Apesar de nos últimos tempos os enredos terem decaído um pouco, a série não decepciona em geral, com reviravoltas incríveis e uma reflexão social que deixa cada capítulo único. E, sabendo disso, o diretor David Slade e o roteirista Charlie Brooker (esse criador da série) decidiram aprofundar ainda mais a inquietação colocando o espectador em posição de conexão direta com o que acontece na tela. E foi assim que surgiu Bandersnatch, o episódio-filme que tem deixado os fãs de cabelo em pé.

A trama acompanha um jovem programador que cria um jogo interativo baseado em um livro, tendo o psicodélico ano de 1984 como pano de fundo, com a proposta de que eu e você sejamos “donos” da história, decidindo cada escolha que o personagem principal tem de fazer através de tecnologia interativa. A princípio, a proposta parece ingênua e até divertida. Até que somos obrigados a observar como as escolhas que forçamos Stefan (Fionn Whitehead) a fazer o afetam e ficamos em posição terrivelmente incômoda em relação à narrativa.

Lívre-arbítrio: nossas escolhas são nossas mesmo?

Desde o primeiro minuto somos levados e questionar o conceito básico de livre-arbítrio. Em todo momento a história confronta esse pensamento e desafia o espectador a fazer o mesmo. Em cada decisão de Stefan está a mensagem de que há sempre alguém tomando decisão por nós e que a liberdade é uma ilusão criada pela sociedade.

Divulgação: Netflix

Assim como em Matrix, vemos personagens que acreditam não serem completamente livres. Mas, diferente do clássico sci-fi do final do século 20, a discussão fica mais intensa simplesmente pelo fato de que eu e você somos culpados por esse questionamento nas personas. Nos tornamos parte do problema e isso faz com que o episódio ganhe uma característica mais real do que deveria ter.

É claro, tudo soa como uma teoria da conspiração bizarra e um pouco brega. Pensar em tudo isso enquanto os minutos correm, porém, mexe com o estômago de qualquer um. E é o suficiente para te deixar de orelha em pé.

O prazer na dor alheia

De longe, o que mais me deixou assustado foi como nos acostumamos com a violência e dor gratuitas que estão em nossas telas. O episódio faz com que você faça um personagem cometer suicídio, bater em pessoas e até esquartejar alguém!

Em um momento, um dos personagens brinca com isso e diz que tudo é em nome do entretenimento. Os produtores usam esse mecanismo como uma auto-crítica e “culpa” o espectador por isso.

Nos acostumamos com a violência a ponto de quase alcançarmos a insensibilidade. É claro que não aplaudiríamos alguém que mata outro na vida real. Mas Bandersnatch mostra que começamos a nos colocar em posição passiva à violência — e é tudo culpa do entretenimento.

É claro que essa é a visão de um humilde nerd que não tem pretensão nenhuma de trazer uma discussão altamente filosófica nem técnica a respeito de Bandersnatch.

Divulgação: Netflix

Dou destaque à atuação de Fionn e Will Poulter (Colin Ritman), que deixam nossos queixos caídos com cada diálogo e as cenas em que os dois interagem trazem mais humanidade ao enredo.

O episódio ainda apresenta outros temas como viagem no tempo, depressão, relação familiar conturbada, etc. No geral, é uma experiência divertida e intrigante. E, no fim das contas, é sobre mim e sobre você.

Veja o trailer e corra para ver:

Bandersnatch. Episódio especial de Black Mirror (Original Netflix)

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Lucas Perales

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